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Foto do escritorMichele Crevelaro

Quiet, o quê? O Silêncio do Trabalho

Se você está inserido no ambiente organizacional é bem possível que termos como quiet quitting, quiet vacationing, quiet firing e quiet ambition já passaram por alguma conversa com um colega de trabalho.


Estes termos têm ganhado destaque nas discussões sobre o mundo do trabalho e refletem mudanças sutis, porém significativas, na forma como os profissionais interagem com seus empregos e, ao mesmo tempo, revelam uma nova camada de complexidade nas relações de trabalho.




Mas por que o termo "quiet" (silencioso) tem sido utilizado para descrever essas práticas? E o que isso nos diz sobre a natureza do trabalho contemporâneo?


Historicamente, o trabalho sempre foi visto como um meio de realização pessoal e social, mas nas últimas décadas, a linha entre o sucesso profissional e a exaustão se tornou cada vez mais tênue.


A pressão por resultados, a cultura da alta performance e as expectativas de superprodutividade têm levado os trabalhadores a questionarem o valor de suas contribuições e o impacto de suas jornadas diárias em sua saúde mental.


O conceito de trabalho exaustivo não é novo, mas o modo como os trabalhadores lidam com ele está mudando. A forma silenciosa de lidar com o esgotamento e a sobrecarga é, em parte, uma resposta à incapacidade de muitas organizações em reconhecer e tratar essas questões de maneira adequada.

A exaustão física e mental resulta não apenas de longas horas de trabalho, mas também da falta de propósito, de reconhecimento e do excesso de tarefas que não agregam valor real ao indivíduo.


Nesse contexto, o silêncio se torna uma ferramenta poderosa. Ele pode ser uma maneira de dizer "não" sem confronto, de preservar energia e de manter uma conexão consigo mesmo em um ambiente que muitas vezes desumaniza.


Enquanto o ruído em torno da produtividade continua alto, aqueles que escolhem o caminho do "quiet" estão, na verdade, optando por uma outra maneira de querer que as coisas mudem. Logo, termos como “vestir a camisa”, “dar o sangue”, “fazer mais e sempre” caem por terra, dentro uma análise mais crítica e subjetiva sobre o bem-estar.


A visão de que há vida pessoal e profissional foi amplamente experiencia como uma falácia nos pós pandemia. A vida é uma só, o trabalho é mais uma camada da vida e não a única.


Claramente, não podemos deixar de lado os aspectos sociais e econômicos ao analisar o fenômeno do "quiet" nas relações de trabalho.


Em países em desenvolvimento como o nosso, onde as oportunidades de emprego são frequentemente escassas e a desigualdade social é mais acentuada, o "quiet" pode ser percebido como uma estratégia de resistência acessível apenas para uma parcela privilegiada da população.


Para muitos trabalhadores, especialmente aqueles em setores informais ou com vínculos empregatícios precários, a possibilidade de estabelecer limites claros ou de adotar uma postura de "quiet quitting" é, na prática, um luxo inalcançável.


Esses indivíduos, muitas vezes, enfrentam pressões econômicas intensas que os forçam a aceitar condições de trabalho extenuantes sem a possibilidade de contestação ou resistência.


Assim, o "quiet", embora possa ser uma resposta legítima ao esgotamento e à pressão excessiva, também pode refletir uma divisão socioeconômica, onde apenas aqueles com segurança financeira suficiente podem se dar ao luxo de resistir silenciosamente.


Enquanto os demais permanecem presos em um ciclo de sobrecarga, e muitas vezes, de exploração. Isso ressalta a necessidade de políticas públicas e iniciativas empresariais que abordem essas desigualdades, promovendo ambientes de trabalho mais justos e equilibrados para todos.


Quando trazemos para o mundo corporativo o termo “quiet”, na prática ao invés de confrontar diretamente a cultura tóxica do trabalho, os trabalhadores optam por uma retirada estratégica, que não é necessariamente física, mas psicológica.


Essa retirada pode ser observada em ações como: não aceitar tarefas além das responsabilidades contratuais, minimizar o engajamento em projetos que não agregam valor pessoal ou até mesmo adotar uma postura de não responder imediatamente a e-mails fora do horário de trabalho.


De quais silêncios estamos falando?


Quiet Quitting: O Silêncio do Desengajamento


Segundo reportagem da CNN, o termo quiet quitting “pode ser traduzido como “saída silenciosa” ou “renúncia silenciosa”. No entanto, em vez de pedir demissão indiretamente, diz respeito à prática de trabalhar apenas o necessário para sua função.


É como se o funcionário parasse de se engajar com suas atividades e até sua carreira, apenas se limitando às suas tarefas dentro da descrição do cargo — eliminando a ideia de fazer mais do que se espera.


O conceito também corresponde a um movimento em que se deseja estabelecer, de forma mais clara, os limites entre o trabalho e a vida pessoal para evitar sobrecarga e problemas provenientes dos excessos.


Aqui, não existe a ideia de “viver para trabalhar”, mas sim trabalhar o que é preciso para conseguir viver a vida”.


Para acessar a matéria, clique aqui.

 

Quiet Vacationing: O Intervalo Sem Ruído


Quiet vacationing é um termo mais recente que descreve a prática de funcionários tirarem férias sem comunicar amplamente sua ausência, ou até mesmo continuar a trabalhar discretamente enquanto oficialmente estão de folga.


Essa tendência pode estar ligada à pressão por manter a produtividade, mesmo fora do ambiente de trabalho, e ao medo de perder relevância ou oportunidades.


Segundo publicação da Revista Exame “a ideia de quiet vacationing foi desencadeada por uma pesquisa recente da Harris Poll sobre a cultura fora do escritório e publicada pelo Business Insider. Descobriu-se que 28% dos trabalhadores disseram que tiraram folga do trabalho sem avisar seus chefes – basicamente, eles estão fora do escritório, mas não “oficialmente””.


Neste mesmo artigo, a pesquisa ainda traz que “quase metade disse que ficou nervoso ao solicitar uma folga e 75% disseram que gostariam que a cultura do seu local de trabalho valorizasse mais as pausas.”

 

Aqui, o "quiet" reflete o desejo de evitar atritos ou julgamentos em uma cultura de trabalho que valoriza a disponibilidade constante. O resultado é um descanso fragmentado, muitas vezes incapaz de proporcionar a recuperação necessária, alimentando um ciclo de exaustão contínua.

 

Quiet Firing: O Desligamento Silencioso

 

Se os dois silêncios acima são por parte do trabalhador, o quiet firing  diz respeito à uma prática da organização.


Esse fenômeno é frequentemente invisível, pois não envolve demissões formais, mas o impacto é profundo. Ele reflete uma falta de comunicação honesta e uma gestão que prefere evitar o confronto direto, optando por ações passivo-agressivas que minam a confiança e o moral dos funcionários.


Na prática, a liderança faz com que o indivíduo se sinta excluído ou subvalorizado, criando um ambiente em que o profissional se sente encorajado a pedir demissão.


Essa prática pode incluir a exclusão de reuniões importantes, a falta de feedback construtivo, ou até mesmo a delegação de tarefas pouco desafiadoras e que não agregam ao desenvolvimento profissional do colaborador.


O resultado é um processo de desgaste psicológico que leva à saída do profissional de forma indireta. Um exemplo seria quando um gestor, insatisfeito com um profissional, ao invés de oferecer apoio para melhoria de performance, reduz suas responsabilidades e oportunidades de crescimento, deixando a pessoa isolada ou subutilizada.


Se quiser saber mais sobre este termo, a Harvard Business Review aborda o tema neste artigo.

 

Quiet Ambition: A Ambição Discreta

 

Em resumo, o quiet ambition é a antítese dos modelos tradicionais de ambição, que são normalmente acompanhados por demonstrações visíveis de esforço e comprometimento, muitas vezes, com foco individual.


É a redefinição do conceito de ambição, em que o significado e o impacto do trabalho tornam-se altamente relevantes.


Segundo reportagem da Forbes, “esse movimento tem ameaçado a carreira corporativa como a conhecemos, baseada em promoções como incentivo constante, de acordo com um relatório da plataforma de people analytics canadense Visier – com 1000 entrevistados, o projeto mostra que os profissionais estão evitando cargos de gestão para ter mais tempo livre.


Uma reportagem publicada pela revista “Fortune” chama essa reviravolta de era da “quiet ambition” (ambição silenciosa), uma vez que os profissionais mais jovens estão se recusando a “trabalhar apenas por trabalhar”.


Leia mais aqui.

 

Por que o silêncio no trabalho?


O uso do termo "quiet" em todas essas expressões indica uma mudança na forma como os profissionais e as empresas se relacionam com o trabalho, na tentativa de uma busca por equilíbrio em um ambiente de trabalho cada vez mais volátil e demandante.


Do ponto de vista filosófico, isso pode ser interpretado através das lentes da filosofia contemporânea, como a de Byung-Chul Han, que critica a sociedade da pressão por produtividade constante.


O "quiet" pode ser visto como uma tentativa de recuperar a autonomia individual em um contexto onde o trabalho invade todos os aspectos da vida.

O impacto para a gestão de pessoas é o desafio que este silêncio traz para os modelos tradicionais de gestão, que dependem de métricas tangíveis de desempenho e engajamento.


Nesse novo contexto, a sensibilidade organizacional é imprescindível para entender os sinais sutis de descontentamento e motivação, indo além das métricas quantitativas para abordar as necessidades humanas mais subjetivas.


Não a toa, a gestão humanizada tem ganhado cada vez mais espaço nos modelos de desenvolvimento de liderança.


Em resumo, o silêncio é sintoma e solução. Reconhecer que estes fenômenos existem como um pedido por um ambiente de trabalho mais saudável e sustentável. Do lado organizacional, as conversas honestas precisam ganhar mais espaço.


O fortalecimento da confiança é um pilar central da segurança psicológica. Quando as conversas são honestas e genuínas, os profissionais sabem que podem contar com seus colegas e líderes, o que fortalece o vínculo dentro da equipe, isso diminui o ruído e a necessidade de soluções silenciosas.


Precisamos de mais diálogos!


Michele Crevelaro


Psicóloga e Facilitadora de diálogos


Na busca contínua por um viver coerente.


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