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Foto do escritorChristine Bona

Qual é o limite da velocidade na transformação organizacional?

Atualizado: 24 de abr.

Recentemente estava assistindo à série “O Problema dos 3 Corpos”, na Netflix, e me deparei com o seguinte diálogo entre a Inteligência Artificial alienígena e um Humano:


IA: Os humanos existem há mais de 100 mil anos. A maior parte desse tempo viveram quase como se fossem macacos. Quanto tempo levaram para descobrir a agricultura?

Humano: Por que você não nos conta logo?

IA: Levaram 90 mil anos para passarem de caçadores-coletores a agricultores. Depois, quanto tempo demoraram para se tornarem industrialistas?

Humano: Por volta de 10 mil anos?

IA: Energia Atômica?

Humano: 200 anos

IA: Computadores? A Era da Informação?

Humano: 50 anos




Fiquei pensando nessa aceleração da transformação do mundo que estamos testemunhando, especialmente aqueles que têm mais de 50 anos que já podem dizer ter testemunhado o que é viver em duas eras diferentes. Tudo se transforma numa velocidade cada vez maior.


Na antroposofia, e em muitas outras ciências filosóficas, entendemos que tudo está interconectado, ou seja, essa aceleração das Eras, da transformação da relação do Ser Humano com o nosso planeta, interfere diretamente em todas as outras esferas de relação do Ser Humano: com as organizações, com os outros Seres Humanos e com ele próprio.


Minha reflexão girava em torno de todas as modificações que nós, como seres humanos, precisamos dar conta para acompanhar essa velocidade. Na visão da Antroposofia as organizações, assim como os seres humanos, também passam por diversas fases de desenvolvimento ao longo de sua existência e seguem um caminho de evolução que reflete a jornada do indivíduo.


No Quadro 1 em destaque você encontra um resumo das “Fases da Organização na Perspectiva da Antroposofia” para ilustrar esse paralelo.


Quadro 1 - Fases da Organização – Perspectiva da Antroposofia

Fase de Formação (Infância) Nesta fase inicial, a organização está em processo de formação. Assim como uma criança que está descobrindo o mundo ao seu redor, a organização está estabelecendo sua identidade, missão e valores. Há uma sensação de entusiasmo e potencial, mas também de vulnerabilidade e inexperiência. As decisões são tomadas com base na intuição e na busca por estabilidade. É um momento de empreendedorismo e criatividade, os recursos são escassos e as estruturas são flexíveis, permitindo uma rápida experimentação e aprendizado. Fase de Crescimento (Juventude) À medida que a organização amadurece, entra em uma fase de crescimento rápido e expansão. Novas ideias, projetos e colaboradores surgem, impulsionando o progresso e a inovação. Há uma energia vibrante e uma atmosfera de possibilidades infinitas exigindo expansão das operações e dos recursos. Surgem os desafios devido à falta de estrutura e processos claros numa complexidade crescente Fase de Estabilização (Idade Adulta) Nesta fase, a organização atinge um estado de estabilidade e maturidade. Os processos e hierarquias estão estabelecidas e há um foco maior na eficiência e na sustentabilidade. A cultura organizacional e os valores fundamentais são internalizados por todos os membros. A organização se torna mais resiliente e capaz de enfrentar desafios de forma proativa. Fase de Transformação (Maturidade Avançada) À medida em que o tempo passa, a organização inevitavelmente enfrenta mudanças internas e externas que exigem adaptação. Esta fase de transformação pode ser desencadeada por crises, mudanças no mercado, avanços tecnológicos ou novas demandas dos stakeholders. É um período de introspecção e reavaliação, no qual a organização é desafiada a repensar suas estratégias e práticas. Nesta fase, os recursos são escassos, a motivação diminui e a inovação estagna. Fase de Renovação (Renascimento) Se a organização for capaz de se adaptar e abraçar a mudança, pode entrar em uma fase de renovação e renascimento. Assim como o fenômeno da fênix que ressurge das cinzas, a organização emerge mais forte e mais resiliente do que nunca. Novas ideias são incorporadas, novas parcerias são formadas e uma nova visão é estabelecida. É um momento de reinvenção e de transformação profunda, no qual a organização se adapta às novas realidades do mercado e reafirma sua posição competitiva.


Se tudo está tão veloz, quais seriam os paradigmas que precisaríamos revisitar?


Se fizermos uma busca sobre os processos de Transformação Organizacional, mesmo sob a ótica de outros pensadores, concluímos que um dos pontos principais para qualquer mudança organizacional é o tempo.


Eu arriscaria dizer que o tempo é fundamental para qualquer mudança. Como seres humanos, precisamos de um certo tempo para absover nova ideias e “desapegar” das ideias antigas.


Segundo Kurt Lewin, precisamos passar por estágios para que uma transformação organizacional aconteça. Primeiro questionar e desafiar as crenças e práticas existentes, o famoso “status quo”, para então introduzir a implementar novas ideias, praticá-las, para só então estas novas práticas serem internalizadas na cultura. Tudo isso leva tempo.

Consolidar as mudanças e garantir que elas se tornem parte da cultura organizacional, quando as novas práticas são internalizadas e se tornam a nova norma, é fundamental para qualquer transformação organizacional. Isso leva tempo.


Sem tempo para viver cada uma das fases, como internalizar novas práticas?


Nessa velocidade de transformação os atropelos começam a acontecer na organização que já está na Fase de Estabilização:  é tudo tão rápido que vemos departamentos de uma mesma organização vivendo em fases diferentes. Não há tempo para consolidar a cultura, a sensação é de estarmos sempre atrasados em relação à uma nova mudança.


Fico pensando nas startups, nas tão cobiçadas empresas de tecnologia do Vale do Silício (que agora já se espalharam por todo o planeta). Virou sonho de consumo para empreendedores fundar uma empresa que se tornará um unicórnio. 


Estas empresas parecem que estão misturando as fases de desenvolvimento. São crianças, estão na fase de formação, mas já contam com milhões, vindos de anjos e fundos de investimento, não tiveram o tempo de experimentar e já tem à sua disposição todos os recursos para existir como jovens.


O que temos visto então é que entram na fase de estabilização, com anos de operação ativa, mas ainda não se sustentam pelas próprias pernas. Dão prejuízo, precisam que seus pais (no caso os fundos, os anjos) sigam as sustentando. Parecem os jovens de 40 que dependem financeiramente de seus pais. Chegar na Fase de Estabilização parece muito longe, uma vez que o desejo constante é por inovação e progresso.


Qual será o impacto disto na perpetuidade ou na sustentabilidade do desenvolvimento destas organizações?


Infelizmente, não tenho essa resposta. Segundo Otto Scharmer, criador da Teoria U, as organizações estão sim em constante transformação e cada vez mais buscam formatos de gestão que possam atender essa velocidade determinada pelos tempos digitais atuais.


Ele defende um ambiente mais horizontalizado onde as decisões são tomadas de forma colaborativa e conectadas ao que gera valor e está diretamente relacionado ao propósito de sua existência.


No mesmo sentido a Singularity University traz o propósito como um dos alicerces vitais para a inovação e a diferença entre uma empresa que fracassa ou cresce:


“Ninguém sabe o que vem a seguir no futuro, mas sabemos que será ‘novo e melhorado’ e tornado possível por pessoas que conseguem ver o impossível e decidem fazê-lo de qualquer maneira” e para isso basta que a organização tenha um massivo propósito transformador (MTP – massive transformative purpose), e o massivo aqui vem de audacioso e altamente inspiracional.


Neste tipo de organização, muita coisa acontece antes da Fase de Formação e se não houver um impacto significativo no problema que a organização se propõe a resolver dificilmente ela sairá do papel.


Ao contrário, se as respostas forem positivas, a constituição da organização vai exigir uma forma diferente de pensar para solucionar problemas complexos e de grande impacto acionando todos os stakeholders possíveis para trabalhar de maneira conectada e ágil, quase fundindo as fases de Formação e Crescimento.


A sensação que me dá é que as novas organizações, assim como nós, Humanos, buscam permanecer eternamente jovens, esticando ao máximo sua Fase de Crescimento, mantendo-se dentro de estruturas amplamente flexíveis, reinventando-se de modo que a inovação e o crescimento rápido estejam sempre na tônica de sua operação. 


Para as organizações já consolidadas, o que podemos perceber é a aceleração na chegada da Fase de Transformação, não há mais tempo para “ficarem paradas” na Fase de Estabilização, a velocidade da mudança pede adaptabilidade para acompanhar a crescente velocidade de mudança.


Mas mudar leva tempo, e mudar cultura é um processo que leva tempo.


Talvez seja por isso que cada vez mais vemos empresas consolidadas investindo em novas empresas no mesmo ramo de atividade, mas experimentando estruturas contemporâneas para se organizarem, tais como ausência de hierarquias (holocracia), compartilhamento de decisão (sociocracia), estruturas sem limites (redes colaborativas). 


No quadro 2 você pode encontrar um resumo dos principais conceitos sobre esses três modelos. São modelos que exigem uma mudança profunda na maneira de se organizar.


Quadro 2 – Modelos Contemporâneos

Holocracia Holocracia é uma maneira de conduzir organizações substituindo o poder gerencial hierárquico pela distribuição da autoridade entre times multidisciplinares, nos quais cada profissional tem um papel definido e claro.


O conceito foi concebido pelo empreendedor americano Brian Robertson, que fundou a organização Holocracy junto com Tom Thomison e é uma metodologia registrada. 


A  holocracia  propõe papéis dinâmicos, autoridade distribuída, flexibilidade, rápida mudança de estrutura das equipes e regras transparentes. A holocracia é uma forma de gestão baseado num processo de tomada de decisão descentralizado. Sociocracia A palavra sociocracia foi cunhada em 1851 pelo filósofo Augustu Comte e depois utilizada num artigo de 1881 por Lester Frank Ward, e teve início de sua aplicação prática com Kees Boeke com a primeira estrutura organizacional sociocrática em uma escola, na Holanda.


Nos anos 60 Gerard Endenburg desenvolveu um método organizacional formal chamado Sociocratic Circle-Organization Method com quatro princípios fundamentais:


  1. Decisão por consenso;

  2. Governança em círculos como grupos autônomos, cada círculo tem uma arena de responsabilidade e os membros decidem políticas sobre como o trabalho é realizado por consentimento;

  3. Vinculação dupla para feedbacks, onde cada círculo tem um líder que garante o vínculo com demais círculos; 

  4. Seleção dos papéis por consenso através de um método estruturado e baseado em consenso.


Redes Colaborativas As origens das redes colaborativas remontam dos primórdios de colaboração entre os humanos, como a troca e cooperação em pequenas comunidades. No entanto, o conceito moderno de redes colaborativas, especialmente no contexto da tecnologia e da internet, surgiu com o advento de plataformas como ARPANET (o precursor da internet) no final dos anos 1960 e início dos anos 1970.


Essas redes permitiram comunicação distribuída e colaboração entre pesquisadores e cientistas. Desde então, o conceito evoluiu com o surgimento das redes sociais, comunidades online e plataformas colaborativas, possibilitando que as pessoas trabalhem juntas independentemente de barreiras geográficas.


A partir daí, surgiram as estruturas organizacionais baseadas em redes colaborativas. As redes podem funcionar de várias formas, mas há algumas características marcantes como: ausência do conceito de dono, estrutura descentralizada ou plana, tomada de decisão é distribuída e compartilhada, governança clara de funcionamento. Essas estruturas priorizam a flexibilidade, a inovação e a resolução coletiva de problemas.


Independentemente de qual modelo as organizações adotam, sabemos que a velocidade da transformação atual pede mudanças rápidas. E sim, as organizações se transformam, levando mais ou menos tempo.


Fico ainda com uma reflexão:  se continuamos Humanos e precisamos de tempo para mudar, para internalizar as mudanças, e as organizações são feitas de pessoas, qual o limite nós, Humanos, daremos para esse tacômetro?


Bibliografia

  • Endenburg, G. (1998). Sociocracy as Social Design. Pearson.

  • Ismail, S. (2014). Exponential Organization. Singularity University.

  • Moggi, J., & Burkhard, D. (2014). A Essência da Transformação. Retrieved from https://www.adigodesenvolvimento.com.br/a-essencia-da-transformacao/

  • Robertson, B. (2015). Holacracy: The New Management System For A Rapidly Changing World. 

  • Scharmer, C. O. (2010). Teoria U (1 ed.). Elsevier.

  • Singularity University. (2022). Creating an Innovation Culture with Massive Transformative Purpose. California.


Christine Bona

Coach PCC (Professional Certified Coach) | Membro da Eight | Facilitadora de Diálogos | Formadora de Facilicitadores em Codesenvolvimento | Co-fundadora da Rede Codesenvolvimento Brasil.

Buscando sempre o novo para apoiar pessoas na descoberta e construção do caminho em direção ao seu propósito.

Acredita que a presença é a melhor forma de passar o tempo.


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