Dia desses, num curso, em uma daquelas conversas de “o que você faz”, ao saber que trabalho com práticas de auto-conhecimento, uma moça me disse que um amigo está tentando há anos descobrir seu propósito, sua missão de vida e não consegue. E perguntou se eu sou capaz de fazê-lo encontrar. Positivamente provocador, não?!
Nunca ouvimos tanto das pessoas (e eu me incluo) um desejo de “viver com propósito”. Há várias transformações acontecendo em nossa sociedade — inclusive, o Gustavo Takana fala brilhantemente disso no “Há algo de grandioso acontecendo no mundo” — que levam a esse desejo.
E fico muito feliz por isso, pois finalmente estamos despertando para assumir as rédeas de nossas vidas. Mas me intriga um pouco uma visão um tanto romântica sobre “viver com propósito”. Visão da qual eu compartilhava, mas minha experiência tem mostrado que é um caminho que mistura vários tons, sentimentos e emoções. Vamos a eles!
1. NÃO ESPERE POR UM MOMENTO DE ILUMINAÇÃO
Sinto que existe um sentimento de “mas quando vou descobrir meu propósito?” ou “como faço para descobrir meu propósito?”. Há a expectativa de que vamos um belo dia acordar com aquela música dos desenhos de quando algo grandioso acontece — do tipo “oooooh” — e pimba! Descobri meu propósito!
Ou então que o propósito está em algum lugar, coberto com véu, ao qual vamos chegar com um mapa que diz o caminho passo-a-passo e que marca inclusive os pontos de perigo para podermos desviar.
Não, não é assim. Propósito até pode ser definido numa frase, a fim de facilitar a comunicação aos outros, mas só depois de um looooongo trabalho de olhar para dentro (que nunca acaba) e entender o que é essencial para você. Propósito vem do latim PROPONERE: pro (à frente) e ponere (colocar, pôr). Portanto, “colocar à frente de”.
É algo que vamos compreendendo, mais do que descobrindo. E compreendendo em função das diversas experiências de vida que temos (todas elas, não só trabalho) e como nos sentimos em relação a elas. E ao longo do tempo vamos adquirindo mais clareza quanto ao que é que “colocamos à frente” em nossas vidas.
E entendemos também que isso muda de acordo com o momento de vida em que estamos. E isso é libertador, pois nos abrimos para o que é de fato real na vida: o mutável e fluído.
2. ENCONTRE SEUS PILARES
Propósito tem mais a ver com um estado de ser do que de fazer. Concentre-se em acessar o que é de fato importante para você. Pense mais em termos de atributos essenciais do que de coisas que você faça.
· Do que não abro mão? Liberdade de tempo? Viagens? Almoçar todo domingo com a família? Desafio intelectual? Trabalho manual?
· O que me move? Ter desafios difíceis a resolver? Ter espaço para colocar minhas ideias e opiniões? Gerenciar equipes? Estar ao ar livre? Mexer com detalhes?
· Que tipo de vida conversa com meu coração? Uma vida mais estável e com rotinas claras? Ou prefiro ter minhas opções abertas e contar com o improviso? Uma vida simples e natural? Ou agitada e urbana? Ou alguma outra coisa?
Enfim, esses são só pouquíssimos exemplos das infinitas possibilidades do que é essencial para cada um de nós. O ponto é: tenha claros os seus “o quês”, os seus pilares essenciais. Os seus “fazeres” serão consequência e poderão assumir diversas formas.
Para ficar mais claro, compartilho um exemplo pessoal. Depois de muito caminhar na consciência de mim mesma, entendi que não abro mão de liberdade de tempo e que amo ajudar as pessoas a se conhecerem melhor, a ampliarem sua compreensão sobre si e sobre como se relacionam com os aspectos da vida. Também entendi que a dança e a expressão artística são pilares essenciais, embora ainda não saiba como dar forma a isso. Preciso de mais alguns passos para essa compreensão.
Esses são os meus “o que” neste momento. Meus "comos" assumem várias formas: escrever, fazer atendimentos individuais, facilitar workshops em grupo, fazer pesquisa, dentre outros.
3. SEU PROPÓSITO NÃO NECESSARIAMENTE É ALGO GRANDIOSO
Outra coisa que percebo no imaginário coletivo sobre propósito é que necessariamente isso é algo grandioso. Do tipo “erradicar a fome no mundo”. Pode ser que para algumas pessoas seja mesmo. E tudo bem. Mas não gaste seu tempo e energia querendo que seja isso enquanto o essencial para você é, por exemplo, “fazer o que tem que ser feito com a melhor qualidade”.
O mais importante nessa história toda é você tentar responder à pergunta: “o que é que faz sentido para mim?”. E a partir daí começar a achar os pilares essenciais, conforme disse no item 2.
Talvez seu propósito tenha a ver com fazer os outros rirem, com organizar coisas, com raciocínio lógico, com tintas e cores e tantas outras pequenas coisas, mas que dão todo o sentido à sua vida.
4. TENHA CLARO QUE PROBLEMAS VOCÊ QUER TER
Essa foi uma das melhores lições que aprendi até agora, ensinada por um grande professor da faculdade, o querido Seiji Uchida. Tendemos a achar que viver com propósito será sempre prazeroso. Que vamos fazer só o que gostamos. Que não teremos problemas. Porque, afinal, se descobri o que é essencial para mim, como isso pode ser ruim?!
Pois é. Compreender o que nos é essencial não nos mantém numa redoma de vidro, longe de todas as interferências externas. Muito menos das internas (o medo, a dúvida, a impaciência…). A vida continua aí, acontecendo. As burocracias, as perdas, as chatices, as obrigações.
Portanto, ter claros quais são os problemas que estamos dispostos a ter nos ajuda a manter os pés no chão e o caminhar, firme e consciente. Ajuda a seguir em frente, em vez de desistir na primeira dificuldade.
E normalmente os problemas que estamos dispostos a ter são aqueles que não violam nossos valores mais fundamentais. São aqueles que trazem incômodo, e pode ser sim um incômodo grande, mas não sofrimento a ponto de sugar todas as nossas energias.
5. TENHA PACIÊNCIA E PERSISTÊNCIA
É clichê, eu sei, mas não tem como fugir disso. Acelerada que sou, tenho sentido na pele. Construir uma vida com propósito requer tempo. Tempo para entender o que queremos. Tempo para construir o que entendemos que queremos. Não é da noite para o dia. Requer estudo, trabalho, tropeços. Cansa. Um passo de cada vez.
Requer um olhar atento para o processo do construir. Ter o norte de onde queremos chegar é sim importante, mas estar apegado ao resultado é vazio. Porque o resultado não existe. O resultado só existe quando ele é resultado. Ou seja, quando é a consequência de um ciclo que chegou ao seu fim. E não temos controle sobre ele.
Nutrir esse processo com aquilo que nos dá energia e celebrar os passos dados são essenciais para caminharmos firmes, conscientes e serenos.
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Voltando à pergunta da moça, se esse entendimento de propósito conversar com o coração do amigo dela, eu posso ajudá-lo! ;)
Viver com propósito é bem menos romântico do que imaginamos. Mas não consigo ver de que outra maneira podemos viver toda a grandeza e todo o potencial que nos foi dado.